Quando criança, cheguei a ter brinquedos caros. Por um tempo, eles me deram a falsa idéia de que minha família gozava de uma situação muito confortável. Esta impressão se desfez com o tempo. A medida que ia crescendo passei a valorizar as coisas que eu tinha com mais apego. E a sensação de conforto foi sendo substituída pela preservação. Nada era mais descartável, tudo deveria ser preservado, pois a qualquer momento poderiam acabar e não mais serem substituídos. Extendi essa regra a tudo, desde as coisas mais baratas e até mesmo as amizades que tinha. Tudo que me deleitava de alguma maneira deveria ser preservado. Até que aos 20 anos li uma frase em uma revista que me deixou profundamente irritado... “Até os 15 anos fazemos amizades verdadeiras, após essa fase, criamos relações de interesse”. Era como se o autor dissesse que em um determinado ponto da minha vida as pessoas começariam a ser descartáveis. Mas mesmo contrariado tentei por a prova aquelas palavras. Minha desagradável surpresa foi descobrir que eram verdadeiras. De maneira generalizada, percebi que as pessoas se aproximam uma das outras sempre querendo um “algo mais”. Seria um verdadeiro escambo se, ao menos, elas dessem algo em troca do que querem, mas nem sempre é assim. Hoje, com o advento da internet isto esta cada vez mais palpável. As pessoas utilizam meios criados para diminuir distâncias para se afastarem umas das outras. O calor humano esta sendo substituído por senhas e logins. Os tais chats se parecem cada vez mais com vitrines onde a melhor decoração vale mais. E caso o cliente não se satisfaça com o produto, no caso, o outro ser humano do outro lado, o descarta sem nenhum remorso. Estamos nos tornando frios. Substituindo as coisas mais simples e prazerosas pela facilidade do mundo virtual. Pra que ir ao cinema se podemos fazer download do filme? Pra que irmos tomar café e bater um papo agradável quando temos o msn? Até mesmo uma transa sem maiores conseqüências é feita através do micro. Logo estaremos encomendando filhos pelo mercado livre. É o wetware, o mercado da carne que não é carne, e sim composto por bites e pixels. Já imaginaram que hilário e bizarro seria ir ao açougue? –Ei, 1kg de João, uma coxa de Maria. Por favor, 1kg de Nestor. Tornaremos-nos um bando de “Armin Weiwes”*. Verdadeiros zumbis virtuais e acharemos o máximo. E você companheiro, que deve estar achando graça neste texto, não se iluda, em algum terminal por ai, alguém esta julgando você descartável. Por isso, procure preservar o tal wetware do outro lado da conexão, a grande maioria não terá nada haver com você, mas alguns serão verdadeiros gêmeos em carências e idéias.
PRESERVE PARA SER PRESERVADO.
* Canibal alemão que devorou o namorado com o consentimento do mesmo e achou a coisa mais normal do mundo.
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